Parque Guanabara vive pior momento em sete décadas e seu futuro é incerto
Mais tradicional local de diversões da capital sofre com custos altos ao ficar quase sete meses fechado
Por RAFAEL ROCHA
03/10/20 - 05h00
https://www.otempo.com.br/

A roda-gigante é o brinquedo mais pesado do parque; instalado em 2010, o aparelho teve custo total de R$ 3,5 milhões
Foto: Alexandre Mota

Como a maioria dos brinquedos foram construídos na década de 1950, o parque exibe uma aura nostálgica e vintage
Foto: Alexandre Mota

Até 3 mil pessoas passam pelo parque em um domingo movimentado, em busca de diversão nos brinquedos, como no bate-bate
Foto: Alexandre Mota

Mesmo fechado, o Parque Guanabara precisa religar os brinquedos semanalmente para dar manutenção nos aparelhos
Foto: Alexandre Mota

O carrossel é um dos xodós da administração do parque e um dos brinquedos mais antigos
Foto: Alexandre Mota

Parque Guanabara possui 23 brinquedos, a maioria fabricada na década de 1950
Foto: Alexandre Mota‹›
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Onde havia gritaria, agora mora o silêncio. Em vez de crianças, os assentos da roda gigante e do bate-bate acumulam camadas de poeira. A solidão profunda abriu espaço para beija-flores fazerem seus ninhos - foi a única coisa boa que aconteceu no Parque Guanabara nesses últimos tempos.
Fechado há quase sete meses por motivos da pandemia, o parque, ícone de Belo Horizonte e presença obrigatória na memória afetiva da cidade, vive sua pior crise em quase 70 anos de história. Fundado em 1951 no Espírito Santo, em junho o Guanabara completou 50 anos de vida na Pampulha no mais absoluto esquecimento. E o futuro pode ser bem pouco divertido: o proprietário diz que suas reservas financeiras só conseguem manter o parque por mais 30 dias.
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Isolado na orla da lagoa, o Guanabara apresenta uma aura de tristeza que é compartilhada entre os poucos funcionários que atualmente seguem trabalhando no local. Mesmo de portas temporariamente fechadas, o parque precisa dar manutenção nos brinquedos, caso contrário eles pifam. Não há receita, mas os custos seguem altos: R$ 300 mil por mês, mesmo que o Guanabara não tenha aberto um dia sequer. “Nossa despesa é monstruosa”, diz Reynaldo Pereira, o dono do parque.
Enquanto a reabertura não chega - a prefeitura informa que não há previsão -, os funcionários seguem melancólicos e valorizando ainda mais o passado do Guanabara, um parque amado por todos, palco de festas, aniversários, casamentos, shows e até jantar na roda-gigante - o feito aconteceu em 2015.
A administração não faz mágica e bancar as contas está beirando o impossível. Ao todo, a folha de pagamento soma 106 funcionários, a maior parte com contrato de trabalho suspenso devido à adesão ao programa do governo federal. Mas as despesas continuam. “Temos gastos com folha de pagamento, segurança, energia elétrica. Tínhamos uma reserva financeira, mas isso acaba. É desesperador mesmo”, explica o empresário.
Enquanto os brinquedos são ligados apenas para manutenção, o jeito é reservar energia e projetar a retomada. “Está todo mundo aflito querendo brincar e sair da rotina, as crianças muito mais. Imagino que vai ter muita gente vindo e procurando aliviar essa coisa represada”, prevê Pereira. Antes da pandemia, até 3 mil pessoas frequentavam os brinquedos do parque em um domingo movimentado.
Com 17 anos de Guanabara, o gerente de manutenção Ederson Silva conta os minutos para o parque voltar a ficar repleto de crianças - com distanciamento, claro. Para ele, o parque já está apto a funcionar com a segurança necessária. A equipe tem feito reuniões semanais para conversar sobre protocolos e higienização. Com a voz embargada, ele conta sobre seu maior temor. “O coração vai ficando apertado. Quanto mais o tempo passa, a gente começa a ficar com a sensação de que (o parque) não vai abrir mais, que o dono não vai suportar mais, de que pode ficar inviável”, confessa.
Acostumar-se com o vazio absoluto é algo impensável para Arnaldo Mezabarba, torneiro mecânico de 77 anos e um dos funcionários mais antigos - trabalha no Guanabara há 58 anos. Questionado sobre qual o sentimento tem ao ver a roda-gigante sem girar e o trem-fantasma sem assustar ninguém, ele exemplifica o que todo belo-horizontino sente diante da situação atual do Guanabara. “É muito triste você vir aqui no domingo e ver o parque parado. Dá uma coisa ruim, um mal-estar”.
Funcionários chorando
Difícil saber quem sofre mais com o Guanabara fechado - se o público saudoso ou os funcionários ansiosos pela flexibilização. A agonia de não ver crianças brincando por ali tem impactado bastante quem trabalha no local. Até mesmo detalhes de antes agora não passam mais despercebidos. “A gente não sabia o quanto isso era importante, ter esse parque cheio de gente”, revela Silva. “Isso traz uma alegria enorme, e proporciona bem-estar para nós. Já vi funcionário chorando dizendo que está sentindo falta. Essa paradeira aqui é muito triste”, completa o gerente de manutenção.
Uma ousadia de sucesso
Fundado em 1951 por Paulo Pereira Dias, o Parque Guanabara passou por várias crises ao longo de sua história. Nenhuma, segundo Reynaldo Pereira, filho do fundador, colocou o parque numa situação tão crítica quanto a atual.
O parque nunca havia ficado fechado - à exceção de quando o fundador morreu, em 1995, numa época em que o Guanabara funcionava de segunda a segunda.
Criado na cidade capixaba de Cachoeiro do Itapemirim, o parque tinha o objetivo de ser itinerante. Até viajou bastante pelas cidades de Minas, Espírito Santo e Rio de Janeiro, levando um bando de brinquedos pesadíssimos que levavam dias para serem montados, mas em 1964 o Guanabara acabou mesmo fixando morada na capital mineira.
Funcionou na avenida Pedro II, em seguida no Carlos Prates, depois passou para o Nova Suíssa. Em 1970 surgiu a oportunidade de um terreno e o estabelecimento mudou-se para a então distante Pampulha, uma decisão ousada para a época. “Acharam que meu pai era louco, pois a Pampulha era um lugar muito isolado”, relembra Pereira. “É muita estrada percorrida para chegar ao ponto que está hoje”, reflete o empresário.
Novidades, mesmo em contexto incerto
São 23 brinquedos que integram a lista de atrações do Parque Guanabara. A administração aproveitou os tempos de isolamento total para providenciar novidades. A garotada, especialmente os menores, terão mais três brinquedos novos quando a reabertura acontecer. São eles uma roda gigante pequena para crianças, a floresta encantada (uma espécie de carrossel), e a xícara maluca.
Entre os brinquedos já existentes, vários foram fabricados na década de 1950, o que confere ao Guanabara um certo ar nostálgico. O carrossel, por exemplo, é um dos orgulhos do local. “É único no mundo, pois meu pai trouxe um carrossel norte-americano do início do século 20 com cavalos talhados na madeira, restaurou e usou de molde”, informa Pereira.
Datado de 1951 e considerado o brinquedo mais antigo, o trem-fantasma deve passar por uma reforma em breve. Outro destaque é a imponente roda-gigante, instalada em 2010 ao custo total de R$ 3,5 milhões.
Com uma vida inteira de dedicação exclusiva ao parque, Pereira fala com tranquilidade sobre o que considera uma desvalorização desse tipo de entretenimento no país. “Enfrentamos a falta de cultura do brasileiro sobre parque de diversão. Isso existe muito na Europa, e nos Estados Unidos mais ainda. Eles estão 50 anos à frente no entretenimento. O público valoriza e comparece com prazer. No Brasil as pessoas acham que tem que ser praticamente de graça”, reclama.
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